O que são as primárias nos Estados Unidos?

Às vezes pode ser confuso acompanhar as notícias sobre a política americana. Especialmente nos anos de eleição presidencial, que parece começar cedo demais. A eleição propriamente dita será apenas no dia 8 de novembro, mas já houve vários debates, inúmeras candidaturas se apresentaram e as notícias ficaram cada vez mais frequentes. Isso porque o sistema americano de escolha do presidente depende essencialmente das primárias.

Como primárias não são comuns no Brasil por uma série de fatores e o sistema eleitoral americano é único no mundo, alguns pontos precisam ficar claros para os interessados, especialmente contrastando com o nosso sistema. Temos aqui um pequeno guia para entender as primárias nos Estados Unidos.

O que são as primárias?

São eleições prévias feitas para escolher os candidatos à presidência dos Estados Unidos. Desde o fim da Guerra Civil, há 150 anos, dois partidos dominam a política americana de modo praticamente exclusivo: democratas e republicanos. As primárias são realizadas internamente: eleitores democratas votam nos candidatos democratas a representar o partido na eleição geral, e os republicanos fazem o mesmo. Como as primárias são realizadas nos primeiros meses dos anos de eleição presidencial, as campanhas costumam começar em meados do ano anterior.

Assim como na eleição geral, o voto não é direto. De acordo com os resultados e as regras eleitorais de cada estado, são enviados delegados estaduais para as convenções partidárias – neste ano, vão ocorrer no final do mês de julho. Quem obtiver maioria entre os delegados será o candidato do partido à presidência. Normalmente os candidatos derrotados costumam orientar seus delegados a apoiar o candidato vencedor, num gesto de união do partido.

Por que fazem primárias?

As primárias são um desenvolvimento natural do sistema eleitoral americano, que é bastante complexo. Primeiramente, como não há segundo turno e candidatos são eleitos com maioria simples (ou seja, não é necessário atingir 50% +1), a tendência é serem construídas grandes coalizões contrárias de forças políticas, gerando um cenário de forte bipartidarismo. O fenômeno é conhecido como Lei de Duverger.

001_2008_Democratic_Primaries_Pledged_Delegates_by_RegionO segundo momento, no qual os dois partidos se tornam as duas únicas alternativas para candidatos competitivos, leva à necessidade de apaziguar os inevitáveis conflitos internos que as coalizões costumam gerar. Assim como em países inteiros, a melhor forma de resolver conflitos políticos dentro dos partidos é pela democracia. Candidatos se apresentam ao eleitorado de seu partido para convencê-lo de serem a melhor opção para vencer a eleição geral e governar.

Esse processo não se limita às eleições presidenciais. Primárias são realizadas internamente nos partidos democrata e republicano até mesmo para cargos menores em alguns casos, e quase sempre para disputas pelos governos estaduais e cadeiras no Congresso.

Por que não há primárias no Brasil?

São vários os motivos. Um deles é que nossos partidos são menos democráticos e costumam representar mal os eleitores e até mesmo seus filiados. Apesar de muitos brasileiros serem filiados a partidos políticos, poucos chegam a participar de um processo democrático para escolher candidatos a cargos majoritários.

Outro motivo é que, desde a Constituição de 1988, temos segundo turno nas eleições majoritárias e só empossamos aqueles que obtenham 50% +1 dos votos. Ou seja, os efeitos da Lei de Duverger são mais fracos no Brasil, e é relativamente fácil para uma terceira força minoritária participar das eleições de modo competitivo. Nos EUA isso é praticamente impossível, acontecendo apenas em alguns casos com candidatos independentes.

Neste ano, o PSDB realizará prévias para escolher o candidato à prefeitura de São Paulo – o caso é tão raro que vira notícia. O PT costumava realizar prévias – em 2002, Tarso Genro derrotou Olívio Dutra para ser candidato ao governo do Rio Grande do Sul, e Dutra era o incumbente. Não acontece mais com a mesma frequência.

As primárias americanas funcionam?

Mais ou menos. Se por um lado permitem resolver conflitos internos aos partidos de modo mais democrático, por outro as primárias causam alguns efeitos colaterais indesejáveis.

Uma tendência é a de provocar forte polarização. Considerando apenas os eleitores de um determinado partido, a parcela politicamente mais extrema aumenta sua representatividade. Para obter os votos de eleitores mais radicais, candidatos acabam se afastando do centro geral e gravitando em torno do centro partidário (que é, por definição, mais sectário que o centro geral). Isso pode gerar a eleição de plataformas mais conservadoras ou liberais em vez de uma plataforma mais equilibrada que contemple mais eleitores.

Outro problema está nos gastos. Candidatos acabam sendo obrigados a concorrer duas vezes – nas primárias e depois nas gerais. Uma quantidade muito grande de dinheiro é gasta em campanhas que não chegarão sequer a disputar todas as primárias de um partido e candidatos razoavelmente parecidos entram em brigas fratricidas que prejudicam a eleição geral. Por outro lado, essa luta interna gera um nível de escrutínio público que tende a melhorar substancialmente o nível dos candidatos escolhidos.

Por fim, o fato de as primárias serem disputadas em momentos diferentes (primeiro Iowa e New Hampshire, depois Nevada e South Carolina, etc.) acaba dando vantagens a esses estados das disputas iniciais, que decidem a eleição muito antes que todos os outros tenham oportunidade de escolher entre os candidatos. Tanto democratas quanto republicanos tentam minorar o problema aplicando punições aos estados que realizam primárias mais cedo e dando benefícios aos que ficam para depois, mas isso não tem sido suficiente para evitar que alguns estados façam suas primárias em datas iniciais.

Vale a pena acompanhar as primárias?

001_18873896641_eb0a50f5b3_bDepende. Se você é aficionado por política, dificilmente vai encontrar uma mistura tão grande e tão interessante de contrários. Um dos candidatos que hoje reúne um punhado de pessoas numa quadra de escola no inverno gelado de New Hampshire estará no ano que vem controlando o país com o maior PIB do mundo e o maior arsenal militar da História. Candidaturas milionárias e estratégias pacientemente pensadas podem ir por água abaixo por causa de uma gafe cometida num jantar com vereadores de uma cidadezinha em Iowa. Não há como se tornar presidente dos EUA sem passar por situações como essa.

Por outro lado, o processo é complexo e estranho a nós, brasileiros. Pode também ser profundamente tedioso. Além disso, é bom lembrar que apenas um de cada partido será candidato de fato à presidência – ou seja, gastar tempo com as primárias é gastar tempo com vários personagens que esgotarão seu significado para a política americana em um mês. Ou pelo menos até o próximo ciclo eleitoral.

Se sua dúvida não foi contemplada, deixe um comentário logo abaixo. Dependendo dos casos, atualizaremos o texto com novas respostas.

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2 comentários sobre “O que são as primárias nos Estados Unidos?

  1. Acho que seria válido mencionar que as primárias são um fenômeno recente. E pelo menos até 1968, a escolha dos candidatos dependia apenas dos líderes partidários locais, nas convenções partidárias.
    Acredito que tratar esse mecanismo como “um desenvolvimento natural do sistema” é ignorar as grandes pressões sociais que foram necessárias para se obter uma maior representatividade.

    “Primary elections are surprisingly new. Here’s where they came from.” by Vox:

    Curtido por 1 pessoa

    1. Olá, Vítor! Obrigado pelo comentário. Você tem razão. Não entrei em detalhe nesse ponto (e em vários outros) pois queria explicar mais como funciona o atual sistema. Planejo fazer outros artigos mais históricos, falando sobre outras eleições e a formação do atual sistema partidário, quando passar esse momento mais concentrado nas primárias atuais. Vai ter muita coisa até novembro. Abraço!

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