Em meio à confusão instalada após o atentado em Nice, na França, e o golpe de Estado na Turquia, passou relativamente despercebida a escolha do candidato republicano à vice-presidência na chapa de Donald Trump. Depois de algum mistério, o bilionário que surpreendeu a todos ao conseguir a nomeação do Partido Republicano, escolheu um político mais tradicional para ser seu companheiro de chapa: Mike Pence, atual governador do estado de Indiana.
A carreira de Mike Pence
Aos 57 anos, Mike Pence, político nascido em Columbus, Indiana e de ascendência irlandesa e católica (embora hoje seja evangélico), era considerado uma das possibilidades republicanas para nomeações presidenciais no futuro. Sua combinação de fatores próximos à média do partido fez com que fosse chamado de “republicano genérico” assim que sua escolha foi confirmada. E não é à toa.
Após duas tentativas malsucedidas de chegar ao Congresso em 1988 e 1990, Pence obteve sucesso em 2000, ao vencer a eleição para o 2º distrito de Indiana e se tornar deputado pela região, que engloba vários condados no leste do estado, divisa com Ohio. Depois de um redesenho, o distrito de Pence passou a ser considerado o 6º distrito. Em todas as eleições disputadas, o republicano venceu com tranquilidade: foram seis vitórias, com uma média de 27 pontos de diferença nas disputas contra os desafiantes democratas.
Na Câmara de Deputados, o representante do Hoosier State foi conseguindo espaço na ala mais conservadora do Partido Republicano. Disputou a eleição para obter a Liderança da Minoria em 2006, logo após os republicanos perderem a maioria na Câmara depois de doze anos. Pence foi derrotado pelo moderado John Boehner, mas obteve outros cargos na estrutura partidária.
Em 2012, desistiu da reeleição para se candidatar ao governo de seu estado. Não teve concorrente nas primárias republicanas e em novembro venceu uma eleição muito apertada, por apenas 3 pontos de diferença, contra o democrata John Gregg. Para se ter uma ideia, Romney venceu Obama em Indiana por 10 pontos. Ou seja, Pence teve um desempenho inferior ao candidato presidencial de seu partido, o que costuma ser métrica para calcular o apoio de um político em sua base.
Atuação política de Pence
Considerado um dos governadores republicanos que mais teria dificuldades para se reeleger, Mike Pence pode ser um “republicano genérico” no perfil, mas apenas porque o partido ficou mais conservador nos últimos anos. Pence fez parte do Tea Party Caucus quando este foi criado no Congresso e sempre esteve em compasso similar à base conservadora do partido.
Uma exceção foi seu plano sobre imigração, lançado em 2006, que previa aumento de patrulha na fronteira e um programa para trabalho a convite, estimulando a imigração legal e sem dar anistia aos ilegais. Era um plano conservador, mas muitos outros acharam-no pouco rigoroso. Na economia, seu histórico de votação é geralmente contrário a intervenções e auxílios governamentais e bastante favorável a acordos de livre comércio.
Mas o mais importante é sua atuação como governador de Indiana. Caso Trump seja eleito, Mike Pence estará a uma parada cardíaca da presidência e deverá assumir o Poder Executivo. Pence conseguiu cortar impostos, mas enfrentou alguns percalços em seu mandato quando alguns de seus vetos sobre impostos locais foram superados pela legislatura estadual. A gestão não foi totalmente tranquila e ideias como a de lançar um serviço de notícias estadual pago pelo contribuinte não foram bem recebidas.
No entanto, a grande controvérsia de seu mandato foi a Lei de Restauração da Liberdade Religiosa, aprovada pelo Senado de Indiana e assinada por Mike Pence em março de 2015. A lei criava garantias legais para o livre exercício da liberdade religiosa; no caso, a intenção era resguardar indivíduos e representantes de empresas privadas que se recusavam a prestar serviços para alguns cidadãos (principalmente LGBT) para não ferir suas crenças religiosas. A lei ficou conhecida nacionalmente e criticada por muitos como discriminatória. Pence inicialmente se recusou a alterar a lei, dizendo que as acusações eram infundadas e ele jamais apoiaria algo discriminatório. Depois decidiu assinar uma emenda modificando a lei, prevenindo discriminação.
Motivos da escolha
Mike Pence é conservador e tem credenciais para isso. É justamente o perfil do eleitorado republicano em que Trump teve mais dificuldades nas primárias, especialmente ao enfrentar Ted Cruz. No entanto, além disso é um nome confiável para a base partidária: ninguém espera loucuras vindas de Pence. Talvez um dos grandes motivos para escolhê-lo tenha sido justamente o desejo de Trump acenar para uma campanha mais estável nos próximos meses, reduzindo a resistência ao seu nome. É bom lembrar que Pence tem posições opostas às de Trump em assuntos importantes, como imigração e comércio.
Os outros nomes que estavam sendo considerados por Trump eram muito mais combativos (Newt Gingrich e Chris Christie), mas também de personalidade muito forte e com o risco de não colaborar suficientemente para o esforço de Trump em parecer cada vez mais presidenciável. Esse perfil combativo também acrescentava pouco à já conhecida e inimitável personalidade de Donald Trump.
Do ponto de vista eleitoral, Pence não acrescenta nada. Indiana é um estado que Trump deverá vencer. Se precisar de ajuda para ganhar em Indiana, Trump não terá chance alguma na eleição. Além disso, Pence não é jovem, nem apela a um grupo demográfico diferente de Trump. Isso deixa claro: a escolha se guiou pelo desejo de apaziguar o partido e garantir que a música não será muito diferente pelos próximos meses e, quem sabe, anos, em caso de vitória no dia 8 de novembro.