Depois do caucus de Iowa, finalmente as coisas ficarão um pouco mais familiares na eleição americana. Se o caucus pode ser extremamente confuso e arcaico, especialmente para brasileiros acostumados a uma legislação clara contra crimes eleitorais e a utilizar urnas eletrônicas, a ida a New Hampshire, o estado responsável pela segunda votação nas primárias de democratas e republicanos, fará mais sentido para nós.
O Granite State
New Hampshire, conhecido como Granite State, era uma das treze colônias originais que deu origem aos Estados Unidos da América. Foi o primeiro estado a promulgar a própria constituição, antes mesmo da declaração de Independência. Seu lema é “Live Free or Die” (“viver livre ou morrer”) e o ideal de liberdade faz parte essencial de sua autodefinição. Isso fez do estado o lar do Free State Project e sua economia tem uma das menores cargas tributárias dos EUA.
Localizado no extremo nordeste da porção territorial dos EUA, New Hampshire é um estado frio e pouco habitado, com menos de 1,5 milhão de habitantes. Sua paisagem é típica da Nova Inglaterra, típica das regiões temperadas. Sua capital é Concord e a maior cidade é Manchester.
Possui o maior legislativo de todos os estados americanos e o terceiro maior de língua inglesa, perdendo apenas para a Câmara dos Comuns britânica e o próprio Congresso dos EUA. São 400 representantes, ou seja, um para cada 3,3 mil habitantes. Não recebem salário. Além disso, possui um senado com 24 representantes e um Conselho Executivo de cinco membros, cuja função é permitir ou não as ações do governador. Atualmente, é governado por Maggie Hassan, política democrata, mas a legislatura é controlada pelos republicanos.
As primárias de New Hampshire
À diferença dos caucus como o de Iowa, as primárias de New Hampshire são muito mais simples. Trata-se de uma eleição corriqueira, com cédulas e horários amplos para votação. Em alguns lugares do estado, que não tem horário fixo para começar a votação, existe uma tradição de começar a eleição à meia-noite, fazendo dos cidadãos locais os primeiros a votar nas eleições gerais e nas primárias do estado.
Outra característica de New Hampshire é a possibilidade de eleitores independentes (ou seja, não registrados em nenhum dos dois grandes partidos) poderem escolher em qual primária irão votar. Isso pode fazer uma grande diferença combinado ao fato de que a maioria dos eleitores de New Hampshire se decide por um candidato apenas nos últimos dias de campanha.
No Partido Democrata, as regras são as seguintes: apenas candidatos com mais de 15% dos votos têm direito a nomear delegados. São 24 em disputa, e a alocação é complexa, porém proporcional. Numa disputa acirrada como a de Hillary Clinton e Bernie Sanders, a diferença de delegados não vai fazer muito efeito – a questão é qual o tamanho da vantagem do vencedor.
No Partido Republicano, as regras são um pouco mais simples. São 20 delegados em disputa: apenas candidatos com mais de 10% dos votos terão direito a indicá-los, o que faz o número mínimo de cada candidato viável ser 2. Depois de alocados os delegados proporcionalmente ao voto dos candidatos, aqueles que sobrarem ficam com o vencedor das primárias.
Como o estado é pequeno, não são muitos delegados, e essa não é a principal questão. Vencer New Hampshire tem um efeito muito mais simbólico do que prático, e pode ajudar a criar um embalo para as campanhas.
As chances de cada candidato
No lado democrata, o favorito é Bernie Sanders. Depois de quase vencer Hillary em Iowa, em uma disputa que foi praticamente um empate, Sanders está em território ainda mais propício para si: eleitorado bastante liberal e branco (Hillary tem vantagem maior entre as minorias negras e hispânicas, pouco presentes em Iowa e menos ainda em New Hampshire). Mas Hillary Clinton pode vencer as primárias e obter a nomeação democrata com muito mais tranquilidade se conseguir virar o jogo em New Hampshire, o que fará a disputa ser mais renhida do que parece.
Entre os republicanos, a grande dúvida é se a vantagem de Donald Trump nas pesquisas irá se confirmar após o fracasso em Iowa. O candidato que o derrotou, Ted Cruz, tem poucas chances em New Hampshire, onde o eleitorado evangélico é muito menor. Ainda assim, Cruz tenta apelar para o lado libertário do estado, inclusive indicando semelhanças de diagnóstico entre ele e Sanders. No fundo, porém, sua campanha está mais preocupada em tentar vencer a Carolina do Sul, daqui a duas semanas.
Falaremos mais sobre os outros candidatos republicanos com chances em New Hampshire em outro texto. Por ora, apontamos que é o teste de fogo para o novo favorito Marco Rubio, após seu ótimo desempenho em Iowa, e a luta pela sobrevivência de Jeb Bush, Chris Christie e John Kasich. Novamente o pequeno estado de New Hampshire será decisivo nas primárias americanas.