Antes de comentar o último evento com os três candidatos à nomeação do Partido Democrata, realizado agora há pouco e transmitido pela CNN, talvez seja necessário informar o público menos familiarizado com o debate político americano sobre o que de fato aconteceu. Afinal, o que é um town hall?
Town hall meeting, um símbolo da vida política nos Estados Unidos
Existe muita tradição nos Estados Unidos em dividir as responsabilidades entre os vários entes governamentais; isso gera efeitos bons e ruins, mas dificilmente passa em branco. Como a vida política americana é bastante gregária, um dos principais efeitos é a tendência a organizar town hall meetings.
Trata-se de um encontro de cidadãos previamente marcado em um local de fácil acesso muitas vezes feito para isso (normalmente a prefeitura ou algum outro prédio capaz de abrigar dezenas ou centenas de pessoas), por isso chamado de town hall (salão da cidade, em tradução livre). Nesse encontro, normalmente são discutidos assuntos de interesse geral ou propostas de políticas públicas, permitindo a todos a possibilidade de expressar seu sentimento a respeito das questões.
Quando em campanha, o objetivo é aproximar os candidatos dos eleitores, especialmente nos primeiros estados das primárias no caso de eleições presidenciais. Mas também há town halls para os mais variados assuntos nas mais variadas formas. Faltando uma semana para o caucus de Iowa, a CNN optou por televisionar um town hall com Hillary Clinton, Bernie Sanders e Martin O’Malley, os três candidatos democratas.
Por um lado, são um bom instrumento para ouvir as pessoas de uma localidade a respeito de alguma questão importante para a cidade. Por outro, é evidente que a reunião pode ser confrontada com pessoas pouco razoáveis ou completamente equivocadas. A comédia Parks and Recreation, sobre uma funcionária pública idealista de uma pequena cidade americana, frequentemente fez graça da variedade de queixas e propostas que cidadãos podem fazer nesses eventos.
Bernie Sanders
O evento começou com uma pequena entrevista de cada um dos candidatos, feita pelo apresentador Chris Cuomo, seguida pelas perguntas da plateia, um candidato por vez. O primeiro foi o senador Bernie Sanders.
Na primeira pergunta, Cuomo lembrou uma fala recente do presidente Barack Obama sobre Sanders – que seu ponto sobre desigualdade de renda é importante, mas a presidência exige preparo sobre inúmeros outros assuntos. Sanders respondeu lembrando sua oposição à Guerra do Iraque, que sua oponente Hillary Clinton apoiou. O resultado negativo da guerra é um dos grandes trunfos de Sanders contra Clinton.
Em pergunta sobre sua definição de plataforma como um “socialismo democrático”, Sanders comparou suas posições políticas com aquelas dominantes na Europa, especialmente na Escandinávia. Assim, reafirmou sua defesa de um sistema de saúde financiado pelo Estado a partir de maiores impostos, principalmente sobre os mais ricos.
No segmento seguinte, foi exibido um comercial de Clinton falando sobre seu preparo superior – ou seja, um ataque velado à presumida incapacidade de Sanders em lidar com assuntos de importância alta, como política externa – e o senador se levantou para desfiar a lista de discordâncias suas com Hillary, defendendo que “experiência é importante, mas julgamento também é”.
Foi um bom desempenho, mas que provavelmente não gerará muito mais mídia do que Sanders já conseguiu (ainda mais com o debate republicano que virá na quarta-feira).
Martin O’Malley
O azarão na corrida pela nomeação democrata teve de enfrentar perguntas difíceis – e fez isso ficando à vontade, tirando o paletó e arregaçando as mangas. A primeira questão lidou com seu histórico como prefeito de Baltimore e governador de Maryland e sua política de tolerância zero com o crime – que seria mais forte contra jovens negros. Em vez de defender todo seu histórico, O’Malley preferiu ressaltar seu comprometimento em tentar resolver o problema e estar sempre atento a melhorias nas políticas relevantes.
A campanha de O’Malley tem pouca margem de manobra para seu discurso. Não consegue ter um histórico de defesa de políticas “socialistas” como Sanders, nem competir com Hillary Clinton em experiência – embora carregue o passivo de ter sido prefeito e governador de um estado violento e com sérios problemas. Sua tentativa tem sido ressaltar a capacidade de trabalhar com os oponentes. Mas não há chance de sucesso e mesmo seu bom desempenho em debates como esse não deve causar grandes mudanças nisso.
Hillary Clinton
Apesar de alguma leveza um tanto forçada, Hillary Clinton desempenhou bem sua função de candidata favorita. A primeira pergunta feita por Cuomo falava dos últimos comentários de Obama, interpretados como apoio do presidente a Clinton. Esta comportou-se como continuidade natural do legado de Barack Obama e a mais capacitada a manter o progresso dos últimos sete anos e expandi-los.
Hillary tem uma grande qualidade a seu favor: sua experiência como Primeira Dama e como Secretária de Estado gera uma capacidade de falar como estadista – algo que americanos valorizam bastante, chamando isso de “sounding presidential”. Ao responder sobre o entusiasmo dos jovens com a candidatura de Sanders e as acusações contra ela, a tranquilidade e a firmeza jogam ao seu lado, mesmo que as respostas pareçam mecânicas perto do clamor por uma “revolução política” feito por seu principal adversário.
O evento poderia ter sido melhor se evitassem algumas “levantadas de bola” para Clinton, especialmente de um membro do Partido Democrata em Iowa sobre política externa. As perguntas selecionadas para Sanders e O’Malley jogavam menos com o discurso geral de suas campanhas do que as direcionadas a Clinton, que foi confrontada com assuntos polêmicos apenas mais perto do final, como o tratamento questionável de e-mails sigilosos quando era Secretária de Estado e o caso Benghazi.
A CNN anunciou o evento quase de última hora. A percepção de uma campanha cada vez mais acirrada certamente contribuiu para isso. Mas é provável que o town hall na Drake University tenha sido mais do mesmo para os eleitores atentos – e a uma semana do caucus, os moradores de Iowa provavelmente darão a vitória a Hillary Clinton.